Quando envolto, e a família, em peles de alimárias,
Lívido, escabelado, e como as procelárias,
Caim pos-se a fugir da face de Jeová,
Como caisse a tarde e fosse escuro já,
Chegou d,alta montanha ao pé, nuns descampados.
Fatigada a mulher e os filhos já cansados:
"Deite-mo-nos no chaã, Caim: vamos dormir."
Disseram-lhe e ele estava insone a refletir.
Erguendo a fronte, viu, oh, noite, onde te entrevas
Enormemente aberto, um olho em meio as trevas,
Que o fitava severa e fixamente... horror!
"Muito perto inda estou!" Disse ele com terror,
Despertou a mulher e os filhos, do cansaço,
E deitou a fugir, sinistro, pelo espaço.
Andou de dia um mês, um mês de noite andou,
Silente a estremecer ao ruido que soou,
Sem olhar para trás, furtivo, o suor em bagas,
Sem repouso, sem sono; e assim chegou as plagas
Do mar, nesse país, que foi Assur depois.
"Paremos" murmurou "seguro é o asilo", e pois,
Fiquemos nós aqui, que ó limite do mundo."
E, indo se assentar, no morno céu profundo
Viu fitar-lhe inda o olho, o mesmo austero olhar.
Então estremeceu com friorento esgar.
"Ocultem-me" bradou. E, sobre a boca o dedo,
Viram todos o avô, feroz, tremer de mêdo.
Caim disse a Jabel, pai daqueles que vão
Sob as tendas de pele a árida extensão:
"Estende sobre mim um pavilhão de tenda."
- Muralha flutuante - e cada qual a estenda.
Quando pesos de chumbo iam-na ao chão prender,
"Inda o ves?" diz Tsila, a luz feita mulher,
O sangue de seu sangue e doce como a aurora.
E o avô respondeu: "O olho me devora!"
Jubal, pai dos que vão, dos burgos em redor,
Marchando aos sons da trompa e rufos de tambor,
Clamou: "Eu é que sei erguer uma berreira!"
Muro de bronze ergueu; Caim poz-se a traseira.
Porém vociferou: continua a me olhar...
Enoc redarguiu: eu vou torres armar...
- Trincheira que ninguém possa acercar-se dela;
Cidade edificar e em meio a cidadela;
Cidade edificar, que guardaremos nós!
Veio Tubalcaim, ferreiro entre os avós,
Cidade edificou, enorme e sobrehumana,
Enquanto trabalhava, em baixo, em terra plana,
Caçavam seus irmãos filhos de Set e Enós
Cravado tinha o olhar quem lhes passasse a voz,
E, quando era o sol posto, iam flechar estrelas.
Veio a pedra antepor-se as primitivas telas,
A cada bloco, em nó, prenderá férreo anel;
A cidade era assim possessão de Lusbel.
Das torres vinha a noite, a errar pelas campanhas
Aos muros se lhes deu grossura de montanhas.
A porta estava escrito: Não pode Deus entrar!
Quando eles acabado tinham de murar,
Foi posto a avô no centro, em torre de grânito,
E desvairado estava, o lúgubre, o precito.
"O olho já não ves?" Tsila indaga: "Já?"
E Caim respondeu: "Eis que não sai de lá!"
"Desejo" disse então "habitar dentre a terra.
Como em ermo sepulcro um cadaver se encerra
Ninguém mais me verá e ninguém hei de ver."
Cavou-se imensa cova, conforme seu querer.
Assim baixou sozinho á abobadada alfombra,
E, quando no espaldar se achou sentado à sombra
E fechou-se após sí dura lápide enfim...
Na tumba estava o olho, posto sobre Caim!
Victor Hugo.
Trad. Generino dos Santos.
Eis aquele que é capaz de trazer paz a toda consciência: