Há dois mil anos venho percorrendo
Percorrendo este caminho em vão
Um pedaço de pão duro te peço;
E tu me dizes: Não
Há dois mil anos venho te pedindo
Um copo d'agua dá por compaixão
Tua caridade vou assim medindo
Mas continuas a dizer-me: não
Cobre-me; de frio estou morrendo
Há dois mil anos, que situação!
Junto a tua porta eis-me gemendo
Tu me escutas e repetes: não!
Há séculos, vinte, preso ao leito
de dores, amargo a solidão
Minha condição parece não ter jeito
Tua visita eu não recebo não.
Há muito tempo estou pagando
meus crimes em cruel prisão
Por tua presença eis-me clamando
E ouvindo sempre o mesmo não.
Um dia serás tu o faminto
Faminto de luz e de perdão
Por isso juro que não minto:
ouviras de mim o mesmo não
Um dia serás tu o sedento
Das vivas águas da minha redenção
Neste dia clamaras ao vento
Da minha boca saíra um não
Um dia frio, tu sentiras na alma
Implorando calor, compreensão
Então te responderei com calma:
Ontem tu me disseste não!
Oxala não fiques tu enfermo
E me peças um chá, uma poção
Tua voz ecoara ao ermo
Porque um dia me disseste não
Se cometeres algum crime
E cumprires fatal expiação
Assim tua culpa se redime:
Que ouças como ouvi um não
Peregrino sou entre os mortais
Credor de piedade e atenção
Jamais despreze teus iguais
Que neles tenho habitação...
Assim se tu não me recebes
Na pessoa do outro, teu irmão
Na eternidade de mim, ouvir tu deves:
Sonoro e clamoroso não!!!
Epifânio de Queirós