segunda-feira, 30 de março de 2009

Não











Há dois mil anos venho percorrendo

Percorrendo este caminho em vão

Um pedaço de pão duro te peço;

E tu me dizes: Não


Há dois mil anos venho te pedindo

Um copo d'agua dá por compaixão

Tua caridade vou assim medindo

Mas continuas a dizer-me: não


Cobre-me; de frio estou morrendo

Há dois mil anos, que situação!

Junto a tua porta eis-me gemendo

Tu me escutas e repetes: não!


Há séculos, vinte, preso ao leito

de dores, amargo a solidão

Minha condição parece não ter jeito

Tua visita eu não recebo não.


Há muito tempo estou pagando

meus crimes em cruel prisão

Por tua presença eis-me clamando

E ouvindo sempre o mesmo não.


Um dia serás tu o faminto

Faminto de luz e de perdão

Por isso juro que não minto:

ouviras de mim o mesmo não


Um dia serás tu o sedento

Das vivas águas da minha redenção

Neste dia clamaras ao vento

Da minha boca saíra um não


Um dia frio, tu sentiras na alma

Implorando calor, compreensão

Então te responderei com calma:

Ontem tu me disseste não!


Oxala não fiques tu enfermo

E me peças um chá, uma poção

Tua voz ecoara ao ermo

Porque um dia me disseste não


Se cometeres algum crime

E cumprires fatal expiação

Assim tua culpa se redime:

Que ouças como ouvi um não


Peregrino sou entre os mortais

Credor de piedade e atenção

Jamais despreze teus iguais

Que neles tenho habitação...


Assim se tu não me recebes

Na pessoa do outro, teu irmão

Na eternidade de mim, ouvir tu deves:

Sonoro e clamoroso não!!!





Epifânio de Queirós

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